Olhar não é exatamente ver, assim como ouvir não é exatamente escutar.
Olhar é simplesmente direcionar o olho e receber o reflexos de luz pelo globo ocular, enquanto ver é reconhecer as formas e cores dentro do contexto do ambiente. Olhar é uma ação física. Ver é uma ação mental.
Ouvir é ter o ouvido estimulado por alguma onda sonora (isso acontece 24 horas por dia). Escutar é reconhecer e integrar os sons dentro do contexto do ambiente. Ouvir é uma ação física. Escutar é uma ação mental.
Não conseguimos mais ver ou escutar de verdade. Pior. As vezes não conseguimos nem olhar nem ouvir. Estamos rodeados de paredes. Paredes de tijolos, paredes de som, paredes sentimentais. Podem proteger e podem aprisionar. Somos educados (e por vezes obrigados) a não ver. Nem ouvir. A anestesia dos sentidos está nos isolando de nosso próprio ambiente. Faz muito mal e nem conseguimos nos incomodar pois já não percebemos. Não temos mais noção de quantos veículos irrompem o silêncio em frente nossa casa, ou qual o volume mínimo que é necessário pra ouvirmos a novela na TV. Todos os volumes estão no máximo e não estamos tentando diminuí-los. Temos que aumentar o nosso pra sobrepor o do vizinho. A anestesia dos sentidos está nos isolando de nosso próprio ambiente. Faz muito mal e nem conseguimos nos incomodar pois já não percebemos. Algumas vezes até percebemos mas poucas vezes nos incomodamos. Quando nos incomodamos é com o outro, não somos capazes de nos incomodarmos com nós mesmos, não notando que os ruídos que produzimos nos prejudica também. Até porque poluição sonora não significa só som alto, aglomerados de som também são muito nocivos. Televisão, rádio e ventilador ligados ao mesmo tempo são nocivos. Sons pertinentes e constantes são nocivos. Ar condicionado, liquidificador e avião são nocivos. Nocivos aos nervos, nocivos a concentração, nocivos a informação, nocivos ao relacionamento.
O som estacionário, aquele contínuo, que não apresenta informação, acinzenta a percepção, nos tira a perspectiva, nos ensurdece sem notarmos a falta da audição. A anestesia dos sentidos está nos isolando de nosso próprio ambiente. Faz muito mal e nem conseguimos nos incomodar pois já não percebemos. Precisamos tomar o ambiente ao nosso redor como sendo nosso, pois é isso que ele é. Se não percebemos as mensagens desse ambiente não podemos ter noção do desequilíbrio e desarmonia que ele pode se encontrar. Se passamos a perceber mais o ambiente a nossa volta, o ambiente sonoro no caso, criamos a capacidade de digerir melhor os ruídos a que estamos inevitavelmente expostos, e otimizamos nossa saúde física, mental e espiritual.
Ouça mais seu ambiente e escutará melhor. Feche os olhos e tente identificar cada fonte sonora que compõe o seu espaço acústico, buscando ir cada vez mais longe na escuta, encontrando as fontes mais distantes e as mais discretas. Avalie e questione a presença dessas fontes no ambiente e perceba as que, por ocasião, estão harmonizando ou desarmonizando o paisagem sonora. Não se contente só em ver, escute. Evitemos ser escravo do olhar e indiferentes ao ouvir, pois nosso campo de visão foi empobrecido e área de audição arbitrariamente negligenciada e estamos, assim, nos  tornando escravos da pobreza e indiferentes a negligência.

Um comentário:

  1. Estou muito contente por ter achado seu blog. Sou cantora e coincidentemente tenho um show chamado "Paisagem Invisível" que surgiu a partir com observações bastante parecidas com algumas que tem pelo seu blog como " só produzimos o som que ouvimos" , por exemplo. Venho refletindo sobre esse fato ao pensar na música que estamos fazendo atualmente. Muitas coisas em comum achei por aqui. Muito bacana mesmo!!!

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