Reinaldo Canto*
Será que o silêncio abandonou de vez as cidades e as pessoas? Por
onde será que ele anda? Talvez em algum recôndito dos mais isolados do
planeta. Provavelmente seja um lugar no qual a ausência de ruídos só é
mais valorizado, quando o silêncio dá lugar aos sons relaxantes da
natureza, como as ondas do mar, as águas correntes de um rio ou a
musicalidade dos pássaros.
Nas cidades, o silêncio deve ter se sentido bastante ofendido ao
ceder seu espaço para barulhos perfeitamente dispensáveis. São buzinas
usadas na maioria gritante das vezes para servir como xingamento ou o
simples extravasamento de um dia complicado e frustrante. Um ato que
perturba a todos, inclusive os pedestres, sem qualquer resultado
positivo, mesmo para o seu emissor.
A fonoaudióloga Alice Penna de Azevedo Bernardi, da Sociedade
Brasileira de Fonoaudiologia foi categórica ao afirmar, em entrevista ao
Portal UOL, que o barulho em uma cidade como São Paulo pode alterar o
comportamento das pessoas e aumentar a violência urbana.
A aceleração de ônibus e motos é um bom exemplo de ruídos que
ultrapassam os limites aceitáveis definidos pela Organização Mundial de
Saúde em 70 decibéis. Segundo Alice Penna, os motores dos ônibus chegam
a 90 decibéis e as buzinas incessantes das motocicletas vão ainda além
desse patamar. Para efeito de comparação, na natureza poucos sons estão
acima dos 70 decibéis, entre os poucos, trovoadas e explosões em
vulcões.
Diante do agravamento do problema, a OMS já colocou a poluição sonora
entre uma das três prioridades ecológicas para a próxima década. A
audição é o único sentido humano permanentemente ligado e sons sejam
eles agradáveis ou não, serão captados mesmo durante o sono. Portanto, o
controle de ruídos passou a ser uma questão de saúde pública.
O silêncio conhece seus limites
Mesmo diante dos fatos que o favorecem, o silêncio não se importa em
ser interrompido por bons motivos, mas se mostra pra lá de indignado
quando uma voz do além repete inúmeras vezes: “este veículo está sendo
roubado, ligue para …”. E o que se vê é um carro ou uma motocicleta
estacionada sem ninguém a sua volta. E o dono provavelmente esteja em
atividades mais importantes que não podem ser interrompidas,
simplesmente para atender a demandas das pessoas próximas ao local e que
desejariam ter seus ouvidos ocupados com algo menos dolorido e mais
interessante. Aos incomodados resta-lhes apenas a indignação. E, a
situação se torna mais séria quando o alarme dispara nas noites e
madrugadas atrapalhando o sono de muita gente.
As cidades, principalmente as grandes são barulhentas mesmo, pois a
movimentação incessante multiplica as possibilidades de ruídos os mais
diversos. São tantos os sons que fica difícil até mesmo distingui-los.
Mas é claro que um pouco de educação ajudaria muito a vivermos de
maneira um pouco mais saudável. Existem muitas pessoas que insistem em
conversar ao celular ou ao vivo em decibéis bem acima do necessário,
compartilhando suas mazelas profissionais e dissabores amorosos para uma
coletividade nem um pouco interessada em ouvir a tal conversa.
O transporte público é uma vítima constante da falta de bom senso.
Foi preciso estabelecer uma lei para evitar que muitos desavisados
parassem de ouvir música alta dentro de coletivos, ao invés de usar os
óbvios fones de ouvido. Parece que esses tipos fazem questão de revelar
ao mundo o seu profundo mau gosto musical e falta de educação.
São situações como essas que fizeram com que o silêncio tomasse a
decisão radical de abandonar as cidades. Isso para tristeza dos que
ainda o consideram algo a ser compartilhado entre as pessoas.
Compartilhado? Pois, sim!
Nada melhor do que ser capaz de contemplar uma bela paisagem e
dispensar palavras e interjeições ao lado das pessoas que amamos ou
temos grande afinidade. A troca de sorrisos e olhares pode significar
bem mais que quaisquer palavras.
O silêncio também não se sente rejeitado ao ser substituído por um
grande show musical. Ali as pessoas celebram um momento no qual a música
é o centro e o fim, aí sim não importando a que altura esteja o som.
Para os ouvidos mais sensíveis recomenda-se manter distância das caixas
de aúdio. Mas não ocorreria a qualquer desavisado pedir silêncio! Nem o
próprio gostaria de estar presente numa hora dessas.
Outros momentos nos quais o silêncio faz questão de ser pouco notado
são as boas discussões. Sejam elas em rodas de amigos, parlamentos,
debates públicos ou escolas, ali o importante é debater, colocar ideias e
ir fundo no assunto. Quando as conversas se tornam mais acaloradas e as
vozes sobem de tom, o próprio silêncio constrangido admite: o volume
mais alto é necessário. Mas ele bem lembra que também será vital que
haja silêncio de um lado para que o outro possa ser escutado e
vice-versa. Se todos falarem juntos dificilmente algo produtivo será
alcançado. Até nessas ocasiões, o silêncio tem sua importância capilar.
E por falar em roda de amigos é bastante comum acompanharmos grupos
que se reúnem para um happy hour. Após um dia estressante de trabalho,
de pressões quase insuportáveis essas pessoas merecem ter momentos de
descontração e alegria. O silêncio concorda plenamente!
Mas será mesmo preciso atingir a descontração e o relaxamento por
meio de manifestações guturais dignas dos homens das cavernas e
gargalhadas próximas do histerismo? Outras mesas do bar talvez queiram
conversar tranquilamente e a vizinhança próxima apenas relaxar em
silêncio ou, quem sabe, com outros sons que considerarem mais adequados
para a ocasião.
Ainda mais se passar de determinado horário. As noites e madrugadas
deveriam ser destinadas, invariavelmente, ao reinado do silêncio. Pois a
maioria clama por uma boa noite de sono para dar conta de muito
trabalho no dia seguinte. Isso para não falar de crianças e jovens que
entram cedinho para as aulas da manhã. Nada pode justificar os
descompensados que saem gritando pelas ruas ou buzinando em horários
absolutamente impróprios. Soltar os famigerados fogos de artifício,
então, representa a mais pura ignorância! Se durante o dia já é bem
questionável, imagine tarde da noite!
Em resumo, silêncio ou volumes mais baixos são, antes de mais nada,
manifestações de respeito ao próximo. O silêncio entende que muitas
pessoas o temam. A ausência de sons pode significar algo muito
perturbador para aqueles com dificuldades em mergulhar em seus próprios
pensamentos. Mas basta vencer o medo e permanecer um pouco em silêncio
para ver quão importante é estar consigo mesmo.
Importante é buscar o equilíbrio pessoal e coletivo. Falar, ouvir,
permanecer calado são faces da mesma equação que nos torna seres
especiais e conscientes no universo. Bem usados, na medida certa, são
capazes de proporcionar alegrias e trocas de experiências
enriquecedoras.
Existem também as belas exceções! Exigir silêncio das crianças é
tarefa inglória e de difícil êxito. Mas ver um filho pulando e gritando
de felicidade poderá doer no ouvido, mas fará o seu coração se sentir
plenamente satisfeito e recompensado.
Sons de qualidade trarão o silêncio de volta
Eliminar os muitos sons das cidades é praticamente impossível e
devemos considerar também que vários deles até sejam responsáveis pela
vivacidade e alegria dos centros urbanos. Por outro lado, dispensar o
excesso de barulhos desnecessários e estúpidos faria um grande bem,
inclusive, para a saúde das pessoas.
Nada vai se resolver do dia para a noite, mas que tal baixar o volume
de sua própria voz, só buzinar em caso de extrema necessidade, regular e
reduzir os ruídos provocados por seu veículo e evitar o uso do celular
em lugares inconvenientes?
Muitas vezes residem nos gestos simples, solidários e saudáveis os
principais caminhos para alcançarmos uma vida mais sustentável. Faça um
minutinho de silêncio e pense nisso.
Quem sabe as boas mudanças convençam o silêncio a deixar seu exílio
forçado e mais uma vez ele traga sua sabedoria para enriquecer a
existência de todos nós.
* Reinaldo Canto é jornalista especializado em
Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência
Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras
de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace
Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo
Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e
parceiro da Envolverde, professor em Gestão Ambiental na FAPPES e
palestrante e consultor na área ambiental.
(Carta Capital)
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